Viajando com Diabetes Tipo I

CENÁRIO ORIGINAL:
Viagem programada há muito tempo.
Em outubro de 2014 compramos as passagens e reservamos todos os hotéis.
Viagem planejada para acontecer de 13/07 a 18/08/2015 (37 dias ao todo)
Em dezembro de 2014, tive meu diagnóstico de Diabetes Tipo I (insulinodependente)

Além do susto inicial e de todas as mudanças que a diabetes me forçou a ter, surgiu a grande preocupação com a viagem. Uma viagem como a nossa exige uma grande preparação. O desafio é: como aproveitar ao máximo, sem descuidar da saúde.

Já adianto como fazer isso: PLANEJAR E PESQUISAR MUITO.

Nos meses que antecederam à viagem, o maior desafio foi aprender a controlar a glicemia e a re-aprender a me alimentar. Para isso contei com a super ajuda de minha médica e de minha nutricionista. Com as doses de insulina  adequadas e sabendo como ler rótulos corretamente, como contar carboidratos e escolher os melhores alimentos para mim, surgiam algumas dúvidas: como saberei ler rótulos em alemão, húngaro ou checo?

Lembrei-me de meu caro amigo Burkhard, cantor do Coro de Hamburgo que se apresentou em Paraty, que fala português e resolvi pedir uma ajuda. Ele, com sua simpatia habitual, me mandou vários rótulos de alimentos, com devidas traduções, para que pudesse me familiarizar. Esta ajuda foi fundamental para me sentir mais segura já desde a primeira visita ao supermercado. Embora não dominasse os idiomas, com a sua instrução básica, consegui “ler” os rótulos em todos os países. Valeu, Burkhard!

Ainda estamos na fase do planejamento.  Mais à frente contarei como foi minha experiência com compras de alimentos. Aguarde….

INSULINA

Uma viagem tão longa exige um cuidado adicional com as insulinas. Eu uso a insulina Tresiba e Humulin Regular. Uma caneta de cada uma não dura a viagem toda e, também, sempre pensei em levar a mais por segurança (decisão sábia… já verão o porquê).

Então, já que deveria levar refil de insulina, precisava já pensar em sua refrigeração durante o vôo e durante toda a viagem, incluindo os trajetos de carro, as paradas nas cidades para visitação (deixando a insulina no carro) e os hotéis (a grande maioria não tem frigobar).

VOE TAM

Minha primeira idéia foi ligar para a TAM e saber se poderia colocar o refil na geladeira do avião. A atendente foi categórica em dizer que isso não é permitido e que eu só poderia levar comigo a dosagem de medicamentos para meu uso durante o vôo. Ou seja, o refil deveria ser despachado na mala. Minha resposta foi, também, categórica: “NEM PENSAR!, Vocês perdem as malas das pessoas! Como vou despachar um medicamento que preciso para viver?” Depois de muito argumentar, a moça procurou mais informações e me informou que, sim, poderia levar na bagagem de mão, porém a refrigeração da insulina deveria, realmente, ficar sob minha responsabilidade.

  1. Agora começaria a minha busca pela melhor maneira de preservar minhas insulinas no vôo e durante toda a viagem.

A melhor solução foi a compra de um refrigerador chamado MediCooler, próprio para insulina, que tem cabo para eletricidade e para ligar no acendedor do carro. Ele se mostrou uma ótima alternativa para colocar nos quartos de hotéis e para os momentos de deslocamento. Mas, ao desligar o carro, a geladeirinha perde a refrigeração muito rapidamente.

Então comprei também um isopor com gelos artificiais. Esta foi a melhor solução para o vôo. Usei muito o isopor, também, quando nos deslocávamos de carro, sabendo que faríamos paradas demoradas nas cidades que queríamos visitar. Sempre ao sair dos hotéis pedimos gelo para abastecer o isopor.

Mas, a novela do vôo ainda não terminou, pois, mais próximo à viagem, resolvi ligar novamente à TAM para informar que sou diabética e saber se haveria alguma questão em especial sobre alimentação. Ao mencionar o transporte da insulina… começou tudo de novo…. Novamente me falaram que não poderia levar a insulina adicional na bagagem de mão. Mesmo após minha insistência, desta vez, a atendente manteve a mesma informação. Ela ainda me transferiu para o escritório da TAM em Guarulhos e a resposta foi a mesma.

Não conformada com essa resposta, resolvi consultar o site da TAM e, vejam só a informação que está publicada na página [URL]:

“….”

Ou seja, além de recomendar levar na bagagem de mão peças frágeis e os medicamentos. O texto dizia que pode-se transportar até 10 frascos de líquido de até de 100ml cada um. Ou seja, posso levar 10 frascos de perfume ou de vodka, mas, segundo o atendimento da TAM, não poderia levar 3 refis de 3ml cada um de insulina… Nesse momento, fiquei mais tranquila, imprimi essa página e me preparei para brigar, se fosse necessário. Na verdade, não foi… pois ninguém abriu a mala de mão ou questionou o seu conteúdo.

Mas, ainda falando da insulina, a minha maior preocupação era, de preferência, evitar ter que comprar insulina em terras com idiomas tão diferentes do meu. Mas, caso acontecesse algum imprevisto, comecei a pesquisar como poderia fazê-lo.

Liguei para o SAC da Novo Nordisk, laboratório que fabrica a Tresiba. A informação que me deram (que eu já sabia) era de que para comprar qualquer medicamento na Europa era necessário ter uma receita de um médico local. A receita de minha médica brasileira não serviria. Eu pedi que me informassem o nome da Tresiba nos diferentes países pelos quais eu passaria e a atendente me disse que não tinha essa informação… Acho que bateu uma certa preguiça em ir atrás dessa informação em uma empresa multi nacional…

Já o atendimento da Lilly, fabricante da Humulin Regular, foi exemplar. Me informaram que na Suiça o medicamento não é vendido e me passaram por e-mail o nome da insulina em cada país. Vejam abaixo a tabela recebida. Além disso, a atendente disse que, se eu precisasse, poderia me enviar uma declaração para apresentar na Europa.

Ainda preocupada em saber de tudo, antes de viajar, liguei para a ANVISA, do Aeroporto de Guarulhos. Após uma grande insistência telefônica, finalmente, uma senhora me atendeu. Com evidente pouco interesse em sanar minhas dúvidas, ela respondeu a todas as minhas indagações repetindo: “Não temos nenhuma orientação a dar…  a senhora precisa levar a receita médica na farmácia e comprar o medicamento…Nem mesmo foi capaz de dizer que a receita médica brasileira não serve lá fora…”. Atendimento realmente vergonhoso…

Devo dizer que, sim, precisei comprar a Insulina Humulin Regular pois o refil que estava em uso, por qualquer motivo inexplicável, trincou. Passei a utilizar o refil adicional que tinha levado para usar no final da viagem. Portanto, este novo refil que passei a utilizar não seria suficiente até o final da viagem.

Levei comigo os nomes da insulina, uma receita médica em português e em inglês e um laudo médico, em português e inglês com o CID destacado.

De posse disto tudo fomos a uma farmácia na cidade de Offenburg, Alemanha. A farmacêutica que nos atendeu, embora fosse muito atenciosa, não se atreveu a vender a insulina sem uma receita médica local. Resolvemos ir tentando em outras cidades e países para ver se poderíamos evitar perder tempo tendo que ir ao médico. Bem, em Salszburg, Áustria, um farmacêutico entendeu a minha situação. Ele disse que, sim, era necessário ter receita médica, mas ele entendeu que, sem a insulina, eu poderia morrer. Portanto, considerou justificável a venda. Mas, para ajudá-lo em sua decisão, além de nosso relato, a receita e o laudo traduzidos foram fundamentais. E, no fim, quando mostrei a ele o nome da insulina na Áustria, ele abriu um grande sorriso aliviado, falando rapidamente: “Volte daqui a 3 horas e sua insulina estará aqui”.

COMPRANDO COMIDA

Agora vou contar para vocês como foi minha experiência em relação à alimentação em nossa viagem, passando pela Alemanha, Suíça, Liechtenstein, Áustria, Hungria, República Checa e Eslováquia.

Açúcar ou adoçante? Esta é uma pergunta que não ouvi em nenhum lugar por onde passamos.

O 1º cafezinho que pedi no 1º dia de Alemanha, em Frankfurt, não veio com a opção de adoçante. Depois de uma certa dificuldade em me fazer entender, a garçonete me trouxe um tipo de sacarina em pastilha (como tínhamos aqui no Brasil antigamente).

No café da manhã do hotel, também tinha este tipo de adoçante disponível e já vi que não havia opções de iogurtes, nem geleias sem açúcar. Esta á uma situação que se repetiu em quase todos os hotéis (em alguns nem adoçante tinha).

Bem, chegou a hora de visitar meu primeiro supermercado e comprar adoçante, opções de lanches para a viagem e barrinhas de cereal, chocolatinho, coisinhas zero açúcar… OPS… A coisa se mostrou mais difícil do que imaginava. A grande dificuldade não era o idioma, mas a oferta de produtos diet. A fartura que nós temos em  qualquer supermercado brasileiro, não existe na Europa (pelos menos nesses países que visitamos agora). Adoçante, só havia essa opção de sacarina em pastilha ou Stevia líquido. Não há gôndolas com produtos Diet. Aos poucos fui conseguindo encontrar barrinhas de cereal, mas nenhuma era diet, apenas tinha que fazer as melhores escolhas lendo os rótulos.

Outra situação que me surpreendeu foi a inexistência de iogurtes diet. Passei muitos dias com vontade de consumir algo de leite. Alguns dias, consegui me servir no café da manhã de algum hotel, um pouco de iogurte natural com um pouquinho de granola ou algum pedacinho de fruta.

Outra surpresa: a única bebida zero açúcar existente era Coca Zero ou Light. Em alguns lugares havia Pepsi ou, ainda, uma versão local, de bebida cola. Nada de Fanta ou Sprite ou algo parecido com H2oh. A única vez que vi uma opção diferente foi em Viena. Tinha cara de H2oh, mas era horrível. Totalmente sem adoçante!

Passei os 37 dias alternado entre muita água e Coca Zero, quando tinha vontade de beber algo com sabor. Isso foi bem ruim… Eu nem gosto de Coca…

Uma coisa muito boa é a opção de pães integrais. Há muito tipos e deliciosos. Só resta olhar os rótulos e fazer a melhor escolha.

No primeiro dia comprei uma garrafa de azeite de oliva, pratos descartáveis, azeitonas e lata de atum. Tudo foi muito bem aproveitado nos picnics que fizemos nas estradas, em alguns lugares maravilhosos. Ao longo da viagem, fomos comprando coisas frescas, inclusive, saladas prontas que me ajudaram muito. Cenoura e tomatinhos cereja fizeram sempre parte de meu cardápio.

Em algumas cidades vi uma rede lojas de produtos naturais com mais um pouco de opções de produtos sem açúcar. Acabei esquecendo o nome (desculpe a nossa falha…)

RÓTULOS

Só vendo muitos produtos é que percebi um padrão diferente dos nossos rótulos. Na Europa, sempre a porção é de 100g, independentemente do peso do produto. Aqui no Brasil as porções não são padronizadas.

Depois de um tempo, peguei a manha de verificar o rótulo e considerar o total de carboidratos em sua porcentagem. Portanto, no geral, fica mais fácil comparar um produto com outro. Mas, ter em mãos o celular com calculadora ajuda muito e saber a quantidade de carboidrato de, por exemplo, uma fatia de pão integral, para ajudar compor a quantidade de carboidratos de uma refeição.

RESTAURANTES

Não é fácil entender os cardápios em alemão, húngaro ou checo, por isso, tentamos privilegiar os restaurantes com cardápio em inglês.

Uma opção que me ajudou muito em todos os lugares foi o Schnitzel. É um escalope, no geral de carne de porco com acompanhamento de algum tipo de batata (purê, frita ou assada) e uma salada. O conceito de salada simples variou bastante em cada lugar, mas no geral, tinha poucas folhas. Mas, quando o prato principal era uma salada, sim, vinha bem farta.

Não vi (ou não percebi) arroz integral em nenhum lugar. Carne bovina é cara e, em geral, meio dura. Comemos muita carne de porco, veado, pato, peixe e frango.

FEIRINHAS

Em várias cidades que passamos nos defrontamos com deliciosas feirinhas. Elas são pequenas, limpinhas, silenciosas e com umas bancas de frutas de enlouquecer. Devidamente munida de minha tabela de carboidratos, me deliciei com morangos, damascos frescos, cerejas frescas, maçãs. Também aproveitamos para, em alguns momentos, comprar queijos e frios para nossos lanchinhos na estrada.

PEQUENOS PECADOS DELICIOSOS

Eu já saí para viajar sabendo que, em alguns momentos, cometeria alguns pecados. Por isso, me preparei e recebi toda orientação de minha médica para isso.

Experimentar algumas comidas faz parte da viagem. Uma delas era: comer um bolo floresta negra ao passar pela … Floresta Negra. Foi algo realmente delicioso e inesquecível. Comi em alguns momentos da viagem, deliciosos Apfelstrudel e  em também experimentei um pouco de vinho, em feirinhas de vinho que estavam acontecendo em cidadezinhas típicas às margens do Rio Reno ou do Rio Mosela. Como tudo, vale o bom senso, um bocado de auto controle  e uma boa orientação para saber o que fazer em cada situação. Não dá para comer tudo o que dá vontade, mas dá para se permitir uma fugidinha de vez em quando. E, sinceramente, não me senti limitada, curti tudo da melhor maneira possível, sem me descuidar nem por um momento.

FINALMENTE…

Credito o sucesso de minha viagem a 2 fatores fundamentais: planejamento e apoio.  Desde o início tive todo suporte e apoio de minha médica endocrinologista, Dra Jo e de minha nutricionista, Dra Rosana. Ambas de deram toda orientação necessária e, durante a viagem, se colocaram à disposição para me orientar por e-mail, caso eu precisasse. Sou muito grata às duas!

Agora… a maior diferença de tudo foi viajar com o Ricardo, meu maridão, que assumiu inteiramente a minha nova condição de diabética, cuidando de mim, me acompanhando nas minhas escolhas, mas se privar desnecessariamente de nada.  O seu apoio e tranquilidade foram fundamentais para me sentir segura em todos os momentos e poder curtir cada segundo juntos desta viagem inesquecível. Valeu, Ricardão.

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